O judô das nossas vidas ou o dia em que a nossa criança está crescendo
Acompanhar meu filho em um festival de judô foi um dos momentos mais marcantes da minha existência
Gabriel tem nove anos e faz judô desde os sete. São quase dois anos e meio. Da faixa branca para a cinza, agora na azul, um longo caminho até a laranja.
Ele não entrou no judô por causa das faixas, das vitórias, das derrotas, de medalhas e tudo mais. Não foi e nunca será a nossa preocupação.
Fiz judô quando eu tinha seis, sete anos. Foi rápido, no máximo, um ano. É apaixonante, com ensinamentos muito maiores que o esporte. É uma filosofia de vida, na qual o respeito é a base. Respeito a tudo, sem distinção.
Entendo o judô como um formador de caráter, de cidadania, ainda mais no mundo em que vivemos e no mundo que está sendo construído para esse moleque. No caso, construímos juntos o caminho que acreditamos ser o mais legal. O universo não está nem aí para o que a gente acha, sabemos disso, mas, enquanto estivermos aqui, será a nossa batalha.
Acompanhar meu filho no festival de judô foi algo indescritível. Um misto de emoções absurdas. Sou competitivo para caramba e claro que eu tinha vontade de pular, gritar, torcer, mas não era sobre isso, não é sobre isso.
O que mais me impressionou foi a maneira como ele se porta no dojo. Calmo, tranquilo, pegada firme, pensativo com o que vai fazer, compreensivo com o que está acontecendo. Na minha poesia, aquela dança é uma contemplação ativa. Ele está no movimento com uma calmaria absurda, mas, ao mesmo tempo, consciente de que o que acontece tem ligação direta com a sua atitude.
Nunca tinha visto meu filho assim, nem nos exames de faixa. E olha que exame de faixa é emocionante demais. Mas ali, naquele dojo de um domingo de calor, ele era aquilo que a gente pensa que o judô deve ser. Sereno. Intenso.
Em meio àquela calmaria insana, me dei conta de algo sublime, algo que o esporte individual proporciona. Não adianta o que a mãe falar, eu falar, o sensei falar: ali dentro, é ele com ele, ele com o outro. As decisões são dele, ações, reações, enfim, ali é uma metáfora da vida. Ali, ao ver meu filho fazendo o que ele acha melhor e se defendendo do que pode derrubar, percebi o inevitável: ele está crescendo.
É tudo em um piscar de olhos. O instante que você joga o outro para o chão é o mesmo que te derruba. “Aproveita que passa rápido”, “A vida é um sopro”, “A vida é trem bala, parceiro”. Pois é.
Na velocidade da vida, se dar conta que o rapazinho está dando passos pode parecer um choque, mas é uma dádiva. Sinal de que, logo mais, a vida estará aí. O ninho seguirá enquanto tiver de ser, mas, lá fora, nesse dojo gigantesco, não terá mais a redoma, a bolha de hoje. Que bom que seja assim, que ele entenda que são os próprios passos e tropeços que ditam o ritmo. E tudo bem cair.
O judogui nunca esteve tão branco como ontem. Novinho em folha para o festival. Foi a última vez que vimos aquele quimono daquele jeito. Nunca mais será tão limpinho. Cai, levanta, tropeça, respira, agarra, erra, acerta, cai, levanta. Estou falando do judô? Acho que não.
Minha criança, sempre criança, está crescendo.