Em 2025, Devo dizer que a melhor música de 2024 é de 1930
É necessário um homem preocupado para cantar uma canção preocupada
Ah, nada como um título enigmático e com um trocadilho infame para atrair a audiência ou espantá-la de vez. Uau! Abaixo, um texto cheio de superlativos, iupi!
Foi em 1930 que The Carter Family, já então um famoso grupo da tradicional música folk, gravou “Worried Man Blues”. A trupe esteve na ativa ininterruptamente entre 1927 e 1956, com idas e vindas e diferentes formações nas últimas décadas.
A família é famosa nos EUA. A extensa árvore genealógica tem até o presidente Jimmy Carter como primo distante.
The Carter Family teve sua formação original com as primas Sara e Maybelle Carter. A. P. Carter, marido de Sara, completava o trio. Ezra Carter, marido de Maybelle, era o empresário.
O casal Maybelle, Mother Maybelle, e Ezra, apelidado de Eck, teve três filhas: Helen, June e Anita, todas cantoras e que também deram continuidade a The Carter Family.
Você pode conhecer a talentosíssima June, esposa do não menos talentoso Johnny Cash (na foto abaixo). A vida do casal foi retratada no filme “Johnny & June” (“Walk the Line”, 2005), que rendeu a Reese Witherspoon o Oscar de Melhor Atriz em 2006. O diretor James Mangold voltou ao folk com “Um Completo Desconhecido” (“A Complete Unknown”, 2024), que concorreu ao Oscar deste ano em oito categorias, sem nenhuma estatueta.
Voltando ao tema…
“Worried Man Blues” é daquelas músicas que atravessam gerações. Existem trocentas versões com zilhões de variações de títulos e letras, como deve ser com toda boa canção de tradição oral. Tome mais folk, blues, country… Muita gente regravou, cada um ao seu jeito. A própria Maybelle tem uma para chamar de sua, assim como Johnny Cash e June Carter (com Pete Seeger), passando por George Jones e Van Morrison.
Os catedráticos que julguem, mas não tinha ideia que o Devo tinha inventado a sua “It Takes a Worried Man” em 1979. A música foi incluída na trilha sonora do filme “Human Highway”, de 1982, que tem a banda no elenco (assista aqui).
Devo é daquelas bandas que merecem atenção, que influenciaram muita gente boa, mas que vira e mexe passa batida, é “incompreendida”. Admito minha ignorância. Mas existem milhares de artigos e dezenas de livros contando a história do grupo que nasceu de uma tragédia - o Massacre de Kent State - e virou essa maravilhosa loucura. Muito bom esse papo de caras que admiro, André Barcinski e Tom Leão, sobre a banda:
Em 2000, na coletânea “Pioneers Who Got Scalped: The Anthology”, a 14ª faixa do disco 1 é “It Takes a Worried Man”. Na minha ignorância, passou completamente batida.
Passaram-se 24 anos e explode na minha timeline a apresentação do Devo na genial série Tiny Desk (aqui cabe um palavrão grandão), da NPR Music, que é genuinamente espetacular. Aí a minha cabeça foi para um outro palavrão maior ainda. Vale texto sobre o NPR Music, hein…
A versão remasterizada foi lançada em 2023, na antologia “50 Years of De-Evolution 1973–2023”. A obra é primorosa, 50 canções que mostram - um pouco - do que o Devo construiu na sua baguncinha gostosa.
O que eu ouvi esta música no ano passado não está escrito. Para se ter uma ideia, meu filho de nove anos reclamou da frequência, justamente a criança que assiste ao mesmo desenho 750 vezes ao dia.
Sim, já fui insuportável para música. Aquele fulano que abomina tal estilo, tal cantor, tal isso ou aquilo. Juro que me fazia mal, literalmente sentia dores físicas, o humor mudava, graus extremos de somatização. Aí você envelhece, confirma que é um completo idiota e, as coisas ficam mais simples: se não gosto, ignoro.
Percebi também que tem gente que se leva a sério demais o tempo todo. Releia o parágrafo acima com a última frase em mente e sinta o quão babaca eu era e ainda sou - e me achava o f*** por décadas.
“It Takes a Worried Man” é diversão. Isso é a música, né? Arte, poesia, emoção, amor, ódio, etc, etc, etc, faça a sua lista, mas também é diversão. Dê uma chance a um monte de coisa que você tem preconceito, Devo, inclusive.
Aproveite e ouça “It Takes a Worried Man”. Elevou a minha alma. Vai que faz algo maluco com a sua também.