Três tipos de pessoas, uma fila e muito ódio
Falta de foco, dúvida e julgamento contribuem para o pior dos sentimentos humanos na fila
fila*
substantivo feminino
1 alinhamento de uma série de indivíduos ou objetos em sequência, de modo que um esteja imediatamente atrás do outro
1.1 sequência de pessoas dispostas de maneira alinhada pelos mais diversos critérios (ordem de chegada, altura etc.) e para os mais diversos objetivos
Ninguém gosta de fila. Mas existem três tipos específicos que detonam o pior dos sentimentos, o ódio mortal e definitivo. Sem demora:
A fila sem foco
Se existe fila, existe finalidade, diz o dicionário. Fila sem objetivo é um aglomerado de pessoas, que pode ser bem legal, mas é papo para outro texto.
A fila com falta de foco é desesperadora. É aquela pessoa que, à sua frente, decide escolher o que vai passar, de fato, no caixa. Pegou duas barras de cereal e ali, a alguns metros de ti, resolve se vai levar a de chocolate ou brigadeiro. Dá a impressão que o produto precisa merecer ir para a sua casa.
O profissional no tema é aquele que esquece de pedir CPF e depois lembra. Não sabe se precisa de sacola ou não. Aí recebe sei lá quantos pontos no plano de fidelidade e fica na dúvida se troca por uma baixela ou uma molheira. Erra a senha do cartão de crédito. Pede mais sacola. Tem que passar o cartão de novo por R$ 0,09. Fura a sacola ao colocar a molheira. Troca pela baixela. E nesse looping infinito você perde a sua idade adulta no supermercado.
A fila com dúvida
É específico para qualquer restaurante que trabalhe com self service. Funciona com todo ser humano que tem dúvida. Piora com o tamanho da comida: quanto menor o alimento, maior o desespero.
É a pessoa que escolhe a ervilha. Não apenas a quantidade, mas uma a uma. Ovos de codorna também aparecem nesta categoria, especialmente pelo efeito chapéu mexicano do acepipe no prato. Qualquer movimento pode ser fatal para a sobrevivência do alimento, um verdadeiro malabarismo gastronômico.
A dúvida também é retroativa: quem nunca esteve numa fila e viu uma pessoa voltando, “dá uma licencinha”, para escolher uma fatia de tomate, que atire o primeiro garfo.
A fila com julgamento
Julgar faz parte da essência humana. Tomo mundo já bateu o olho no prato na mesa ao lado do restaurante e pensou “pô, devia ter ido no parmegiana”.
Era Copa de 2018, uma terça qualquer, sei lá quantas horas de trabalho diário, problemas atrás de problemas. Decido ter um momento de alegria: vou tomar uma cerveja em casa hoje. Aviso que vou passar no supermercado, a esposa pede um item, lembro que outro está acabando.
Nem peguei cesta. Destemido, na mão esquerda, uma caixinha gelada de Heineken, seis unidades, e um xampu anticaspa (o mais barato). Na outra, Pampers tamanho GG para a herdeiro em fase final de desfralde. Rapidamente, me dirigi à fila.
Quem estava pagando - ou tentando - era uma pessoa sem foco. À minha frente, um casal na casa dos 40 anos, dois maços de folhas, uma cenoura, um tomate, filé de frango, nozes, 1 litro de leite de amêndoa.
Saudável, hein? Julguei. Poderia ser eu, mas hoje preciso de cerveja, fralda e xampu.
A reação do casal foi avassaladora. Olharam para os itens que eu carregava, me analisaram da cabeça aos pés e encontraram as minhas olheiras. Sincronizado. Se eles tivessem treinado não seria tão simultâneo. Um instante depois, eles voltaram a falar baixinho, uma pena, não consegui ouvir a fofoca.
Era para ser tudo muito rápido, afinal, eu só queria uma cerveja, mas a pessoa sem foco batia recordes. O casal seguiu no papo baixinho, chato pra caramba. E eu tomei cerveja morna em casa.
Odeio fila.
*Fonte: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.