Uma cena de cinema no melhor restaurante do mundo
Não dá para julgar o que a fome e o prato feito causam na vida do ser humano
O melhor restaurante da Zona Oeste está localizado em uma rua que tem nome de avenida no coração do Sumaré, Perdizes, Pompeia. Aviso que esse oásis da baixa gastronomia será frequente por aqui, é uma dádiva. Não apenas pelos acepipes, mas também pelo ambiente pitoresco.
O Café da Dona Valéria, nome fictício, é o local escolhido pelos deuses da culinária. Resolvi voltar às origens nesta quarta-feira (13/11). Afinal, não havia visitado o local neste ano. Tenho meus motivos.
Sem segredo: São Paulo, frio, quarta-feira, feijoada. Fiz o meu prato, couve, feijoada, farofa de ovo. Simples e refinado. Ao colocar aquele caldinho de feijão apimentado, voltei no tempo e lembrei que Dona Valéria caprichava no sal da feijoada.
Orei.
Sentei em uma das mesas próximas ao balcão das delícias. Na quarta garfada, enquanto olhava para a TV - César Tralli e Alan Severiano conversavam, mas, sem volume nem GC, era só paisagem -, vejo um rapaz ir direto para a balança.
Pelos passos rápidos e o teor do diálogo, ficou claro que se tratava de um caso crônico de fome mesmo. Dona Valéria estava lá, mas não deu tempo de abrir a boca.
- Tem prato feito?
- Tem sim, a Martina vai te dizer. Martina, mostra pro moço?
- Oi, tudo bem?
- O que tem de prato feito?
- Hoje tem filé de frango com cebola, almôndega, frango assado com batata e carne de panela com batata.
- Nossa, hoje tem feijoada. Quero uma feijoada.
- Feij… Dona Sara, feijoada não entra no prato feito, né?
- Não, feijoada é no quilo.
Aqui confesso que até parei de comer. Foi uma pausa dramática muito maior do que o esperado. Será que presenciei uma falha na matrix naquele lugar peculiar? Mas o rapaz deu play no espaço-tempo:
- Quero o frango assado.
- No prato feito vai arroz, feijão, farofa, ovo frito e o frango assado.
- Tá bom.
- Ah, tem salada também. Você vai querer?
- Sim, tenho anemia.
Agora a pausa foi da Martina. Eu só ouvia o papo, mas me senti na obrigação de olhar para a situação. Ela claramente não entendeu nada. Ele claramente queria que ela dissesse algo. E eu quase peguei uma pipoca para assistir, mas, de novo, o Doutor Estranho destravou o universo e sentou à mesa atrás de mim. Martina foi atrás do prato para montar o banquete.
- Oi, moço, está aqui.
- Obrigado. Tenho asma também.
Ô desgraça, eu estava de costas para aquilo. Pagaria um valor considerável para encarar tudo aquilo. Imagino milhões de possibilidades do que aconteceu ali. Ô, desgraça!
Logo me levantei, olhei para o rapaz, que se deliciava com aquela orgia gastronômica. Cogitei perguntar sobre a anemia e a asma, mas me calei. Não encontrei Martina, deve ter fugido.
Desembolsei R$ 30. Fiquei sabendo que mudou o cozinheiro, e o sal estava na medida certa. A oração rendeu muito mais do que um bom almoço. Estou com azia, que é um clássico e segue no cardápio diário do estabelecimento, mas valeu a pena. Voltarei.